sábado, 25 de junho de 2016

De volta, com Ulysses em Dublin

Este ano meu blog ficou parado... pelo menos até agora. Queria muito retomar, mas minha cabeça e atenção estavam voltadas para outros acontecimentos inusitados, como o casamento da minha sobrinha em janeiro, seguido do desfile de carnaval e a dengue em fevereiro/março, até finalmente a viagem à Irlanda, de abril a junho.


Retornei há pouco da Ilha Esmeralda, onde fiquei por dez semanas para fazer intercâmbio em inglês, que foi a forma encontrada para viajar. Eu nunca tinha saído do Brasil e, embora essa fosse uma viagem curta, foi uma aventura e tanto, repleta de angústias, receios, saudades, superação, retomada de planos, aprendizagem e companheirismo.

Meu projeto tinha como base a literatura, fincada na leitura de Ulysses, de James Joyce, um dos principais escritores irlandeses. A obra é dificílima e seria um grande desafio para mim, mas estando próxima do cenário de Ulysses, talvez eu conseguisse superar as dificuldades da leitura. Mas não só. Eu queria conhecer outro país, a cidade de Dublin e, se possível ir a outros lugares na Europa.

A realidade, porém, fez com que meus planos mudassem e náo consegui iniciar a leitura de Ulysses imediatamente. Isso só aconteceu na quarta semana da minha estadia, e foi melhor assim, porque poucos dias antes estive em Dún Laoghaire, cidade a 20 minutos de trem do centro de Dublin, e local onde fica o Museu James Joyce. Ele está instalado desde 1962 na Torre Martelo, em Sandycove, e foi construído para a defesa contra a invasão francesa de Napoleão. Joyce se hospedou no local quando tinha 22 anos, época em que começava sua carreira de escritor. 

A cena inicial de Ulysses se passa na parte superior da torre e o episódio I também cita a Sala Circular. Todas essas informações e o conhecimento “in loco” facilitaram o início da leitura para mim.

Embalada por esse começo a leitura fluiu, o que não quer dizer que entendia tudo. A estrutura do livro é bem complexa e diferente, e dá para imaginar o furor que causou na época da publicação e que causa ainda hoje. Mas estar em Dublin e conhecer de perto os lugares e endereços citados no livro, e poder acompanhar a caminhada do personagem Leopoldo Bloom pelas ruas da cidade naquele 16 de junho de 1904, tem um significado maior. 

Sem falar nas referências a Joyce, que estão por todos os cantos de Dublin, desde sua bela estátua na North Earl Street, bem no centro da cidade, passando por outras em pubs como The Temple Bar e The Oliver St. John Gogarty Bar & Restaurant, e o Museu de Cera, até a ponte sobre o rio Liffey, que leva o seu nome e que fica perto da casa onde se passa o conto “Os mortos”, em Dublinenses, além dos locais que fazem referência à sua vida e obra, como o James Joyce Centre e o Museu dos Escritores.


Mas é em Ulysses que as referências a Joyce se concentram mais e no percurso de Leopoldo Bloom pelas ruas da cidade. E estar em Dublin no dia 16 de junho, participando do Bloomsday, foi algo mágico, e planejado. 

Fiz a caminhada por pontos-chave na vida e obra do escritor, estive no cemitério Glasnevin, local em que se passa a cena do enterro de Dignam, colega de Leopoldo Bloom, passei pelo pub Davy Byrnes, onde alegre comemoração lotava as dependências e a frente do bar, parei ainda em algumas livrarias, como a Hodges Figgis, que homenageia Joyce, e terminei o dia em uma apresentação de textos e leituras da obra do escritor.


Durante minha permanência em Dublin procurei ainda conhecer muitas das ruas citadas em Ulysses e fiz alguns trajetos, desde a Eccles Street, onde o personagem mora, passando pela bela igreja de São Jorge (hoje infelizmente fechada) até chegar ao centro da cidade, onde placas nas calçadas de algumas ruas marcam a passagem de Bloom.

Estive na igreja de Saint Andrews e na Sweny, antiga farmácia, citada na obra e onde o personagem compra um sabonete. O local hoje é uma espécie de sebo, no qual irlandeses e turistas se reúnem semanalmente para ler os livros de Joyce. Tive a oportunidade de participar de uma dessas leituras, inclusive lendo um trecho de Ulysses, em inglês. 



Aproveitei também para conhecer o vilarejo de Howth, lugar em que Leopoldo Bloom pede a mão de Molly Mallone em casamento. Molly, aliás, é lembrada com uma estátua na esquina da Grafton Street com a Suffolk Street. E ainda visitei Galway, cidade onde Joyce conheceu sua esposa, Nora Barnacle. A paisagem pelo caminho até chegar à cidade é deslumbrante.

Mas nem só de Joyce a Irlanda vive. Há outros escritores irlandeses reverenciados no país. Em Dublin há uma despojada estátua de Oscar Wilde no Páirc Chearnóg Mhuirfean, na Merrion Square. Ali em frente encontra-se a casa onde o escritor viveu, hoje uma escola. Samuel Beckett, dramaturgo e poeta, tem uma bela ponte sobre o rio Liffey que leva seu nome. E Bernard Shaw é lembrado com uma placa na casa onde nasceu, além de um pub com seu nome. Já Bram Stoker, autor de Drácula, tem um museu castelo em Clontarf, subúrbio de Dublin, e nos jardins da Saint Patrick”s Church há placas homenageando os escritores, sem esquecer do Museu dos Escritores, que exibe documentos e obras, e o Museu de Cera, que contém uma sala só com réplicas dos escritores irlandeses.





Mas é claro que a minha investida foi mais em James Joyce, um escritor que sempre me intrigou e fez com que eu atravessasse o oceano para ir a uma terra estranha e, assim, tentar entender seu livro Ulysses. A propósito, não consegui terminar a obra, mas já avancei bem na leitura.

Se valeu a pena? Sim, valeu. 

No entanto, tudo o que eu escrevi aqui não é suficiente para expressar o que senti e vivi em Dublin nesses pouco mais de dois meses. É indescritível.