quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Paixão pelo Nobel

Nem bem o escritor francês Patrick Modiano alcançou os holofotes da literatura, com a distinção do Nobel, e já me apaixonei por ele. O pouco que li a seu respeito e as informações que consegui sobre sua obra foram mais do que suficientes para despertar esse sentimento em mim. Mas um sentimento que precisava ir além, chegando às vias de fato, de forma que a paixão pudesse se materializar em toda sua extensão. E o melhor a fazer era ler um de seus livros.
 
O problema residia justamente aí, porque alguns de seus livros, embora tivessem sido publicados pela Rocco no Brasil, encontram-se atualmente fora de catálogo. Mas não me dei por vencida, afinal os apaixonados sempre procuram um jeito de estarem perto de suas mais recentes paixões. A solução foi procurar em sebos, mas teria de garimpar e esperar, ou ainda, pesquisar nas bibliotecas públicas de São Paulo que, por felicidade, têm unidades em que dois dos livros estão disponíveis. No entanto, elas localizam-se distante de onde moro ou trabalho.

Surgiu então outra alternativa e esta bem melhor e imediata, coincidindo com a proximidade do Dia das Crianças: conhecer sua escrita em uma das raras incursões do escritor pela literatura infanto-juvenil, com a leitura de Filomena Firmeza, único livro em catálogo no Brasil, publicado recentemente pela Cosac Naify.

Escrito em 1988, Filomena Firmeza, tem ilustrações de Sempé e tradução de Flávia Varella. Trata-se de um belo convite à infância por retratar o convívio entre pais e filhos e a importância do amor nessa relação. E, logo nas primeiras páginas, a história ganhou meu coração nesta lembrança de Filomena:

... Não se dança de óculos. Eu me lembro de que, na época da senhora Dismailova, eu treinava durante o dia para conseguir ficar sem os óculos. O contorno das pessoas e das coisas perdia a nitidez, tudo se tornava desfocado, até os sons pareciam mais abafados. O mundo, quando eu via sem óculos, perdia a aspereza. Ficava tão suave e macio quanto um travesseiro fofo no qual encostava o rosto e terminava por adormecer.
– Está sonhando com o quê, Filomena? – papai me perguntava. – Você deveria pôr os óculos.
Eu obedecia e tudo retomava a rigidez e a precisão costumeiras. De óculos, eu via o mundo tal como ele era. Não podia mais sonhar.
 

O livro é de uma delicadeza tal que se evidencia não só na narrativa, mas nos suaves traços de Sempé, cartunista francês, que conheci no belíssimo Marcelino Pedregulho, ilustrado e escrito por ele. Em Filomena Firmeza ele realça a história de forma sutil e encantadora. 
 
A trama tem início com Filomena já adulta, observando a filha que auxilia as alunas de uma escola de balé, em Nova York. Uma das aprendizes lhe chama a atenção por usar óculos e ter de deixá-lo de lado, exatamente como ela fazia quando criança. Dessa constatação surgem as lembranças da infância, de quando Filomena morava em Paris e que se constituem no cerne do livro.

Era época da Segunda Guerra Mundial, o pai de Filomena morava na França, mas a mãe era norte-americana que, em dado momento vai embora para os Estados Unidos com a companhia de balé, esperando que a filha e o marido juntem-se a ela mais para frente. O tempo passa e pai e filha tem uma relação bastante estreita, dividida entre o dia a dia do trabalho do pai e a escola de balé que Filomena passa a frequentar.

Com Filomena Firmeza, Patrick Modiano, 15º francês a receber o Nobel de Literatura, conquistou de vez meu coração. Sinto-me tentada a incursionar por outros títulos de sua literatura, como Ronda da Noite e Uma Rua de Roma, que vou pegar emprestado das bibliotecas.
 
A boa notícia é que a Editora Record comprou os direitos de três obras de Modiano na Feira de Frankfurt, que aconteceu recentemente na Alemanha: Remise de peine (1988), Fleurs du ruine (1991) e Chien de printemps (1993). É esperar a tradução e a publicação.

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