quarta-feira, 11 de junho de 2014

Literatura e futebol

Desde criança o futebol sempre ocupou um lugar especial na minha vida. Filha de um palmeirense, palmeirense me fiz, com muito orgulho. Assim, as melhores lembranças que guardo da infância são aquelas ao lado do meu pai nos campos de futebol, acompanhando partidas, ou em frente à TV, torcendo para o nosso time, ou pela seleção brasileira.

No entanto, nos últimos anos sinto que minha paixão pelo futebol tem diminuído, e muito. Quase não acompanho mais, tanto o Palmeiras quanto a Seleção do Brasil, acho que as maracutaias, mas, sobretudo, as torcidas organizadas têm a ver com essa minha indiferença. O que me entristece, ainda mais porque a Copa do Mundo está aí, no nosso país, e eu ainda não me animei.
 
Mas, apesar de tudo, é difícil não se deixar envolver e, com certeza, não sou de torcer contra. Para dar um up e tentar me aquecer fui buscar auxílio na literatura, me aventurando pelas páginas de Entre as quatro linhas – contos sobre futebol, antologia organizada por Luiz Ruffato, lançada neste ano pela Editora DSOP.

O livro reúne 15 nomes da literatura brasileira contemporânea, sendo nove homens e seis mulheres: Mario Araújo, Fernando Bonassi, Ronaldo Correia de Brito, Eliane Brum, Flávio Carneiro, Andre de Leones, Tatiana Salem Levy, Adriana Lisboa, Ana Paula Maia, Tércia Montenegro, Marcelo Moutinho, Rogério Pereira, Carola Saavedra, André Sant´Anna e Cristovão Tezza.

O autor mais velho tem 62 anos e o mais jovem 33. Destes, cinco nasceram no Sudeste, quatro no Sul, dois no Nordeste, dois no Centro-Oeste e dois no exterior. Quanto ao local de residência, cinco vivem no Rio de Janeiro, quatro em São Paulo, dois em Curitiba e cada um dos outros em Recife, Fortaleza, Brasília e Estados Unidos.

Com relação ao time do coração, quatro torcem para o Botafogo, dois para o Fluminense e Atlético Paranaense. Flamengo, Coritiba, Vasco, Palmeiras, Grêmio, Goiás e Fortaleza completam a lista, com um torcedor cada.

Na introdução da coletânea, Ruffato lembra que apesar de o Brasil ostentar cinco títulos mundiais no futebol, conquistados em 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002, e do esporte ser uma paixão nacional, “os escritores brasileiros sempre guardaram distância do tema, rejeitando-o, já nem digo como motivo principal, mas até mesmo como referência secundária”.

Agente alienador, pertencente a um universo pouco frequentado pela ficção, talvez seriam os motivos pelos quais essa ausência se faça sentida”. Mas alguns nomes da literatura, como Mario Filho, João Saldanha, Roberto Drummond e, principalmente, Nelson Rodrigues, fizeram do esporte matérias essenciais de suas crônicas, contagiando romancistas e contistas.

Entre as quatro linhas busca expressar isso, procurando mostrar a paixão pelo futebol no Brasil. Alguns contos, como acontece em toda antologia, sempre se sobressaem a outros, cumprindo melhor o seu papel. Dentre estes destaco A história do futebol, assinado por André Sant´Anna, que utiliza a fantasia da criança e do adolescente se fazendo passar por um craque para contar a sua história do futebol, com destaque para o Fluminense, seu time do coração. E começa assim:

Quando o futebol foi inventado, em 1969, o George Harrison era de Belo Horizonte e, no prédio dele, na escola dele, na rua dele, as pessoas ou eram Atlético ou eram Cruzeiro. O primo do George era Atlético. O George era o Tostão, do Cruzeiro.
O pai do Tostão e a família do pai do Tostão eram do Rio e tinham uma ligação muito forte com o Fluminense.

O conto é bastante criativo – e difícil. Por vezes me senti perdida entre aqueles nomes de jogadores que eram e não eram eles, que na verdade eram o narrador, seu primo, seus amigos, e também eram os jogadores de verdade. Mas depois foi show de bola, e uma verdadeira declaração de amor ao esporte.

E futebol é uma das coisas mais importantes na minha vida, desde o Tostão, em 1969, e o Fluminense, nos últimos anos, têm sido um Fluminense que nem aquele da Máquina e aquele que foi tricampeão carioca em 1983 / 1984 / 1985 e campeão brasileiro de 1984 – 1 x 0 e 0 x 0 – contra o Vasco, gol de Romerito, e o Fluminense foi campeão carioca em 2005 e 2012 e foi campeão da Copa do Brasil, em 2007, e campeão brasileiro em 2010 e 2012 e ainda teve 2009, quando o Fluminense ia cair para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro e não caiu e foi tão sensacional quanto ganhar um título.

Outro conto bacana é o da Tatiana Salem Levy, Um dia, uma camisa, em que ela conta a história de um casal que vive em Lençóis, no Maranhão. Os dois sonham em ir para o Rio de Janeiro, ela para ser atriz; ele para jogar no Flamengo. Os sonhos são interrompidos quando um estrangeiro aparece no local e promete ao rapaz que enviará camisas do Barcelona para o time local quando retornar à Espanha. Com a promessa, ele não quer mais sair de Lençóis, e sua mulher acaba indo embora com o filho pequeno, esperando que em breve o marido vá também. Triste e belo ao mesmo tempo.

Raimundo, o dono da bola, de Eliane Brum, é um conto diferente: denso, forte, dolorido, emocionante, aliás como são todos os textos da escritora. Ele se passa dentro da floresta, em um recanto bem longe, talvez na Amazônia, onde os modismos e o consumo não chegam. Uma outra realidade. Ali, Raimundo, o protagonista, sonha. Sonha em alcançar o mundo, mas seu pai o faz prometer fincar os pés na terra e continuar a lida da luta diária da preservação.

O pai amainou. Agora eu posso te dar o mundo. Porque sei que tu vai ficar aqui. E Raimundo menino sentiu a cabeça voar, como se dela pudessem sair asas que atravessavam rios porque o pai lhe daria o mundo, mas ao mesmo tempo viu seus pés se espicharem, os dedões alongando-se em raízes de carne que para sempre estariam fincadas no ventre do castanhal.  E desde então cresceu partido, parte dele pássaro, parte árvore.

Quando Raimundo, já adulto, entra em contato com o mundo, por meio de um rádio portátil que um conhecido lhe oferece, e ali escuta uma partida de futebol, a paixão pelo esporte lhe é despertada. Ele fantasia inocentemente e se deixa manipular pelos homens da cidade. Com isso, acaba esquecendo a promessa feita ao pai. Talvez Eliane saia um pouco do foco futebol, mas a história é tão intensa que o resultado é fascinante.

Vale destacar ainda os contos Meu pequeno amigo cubano, de Flávio Carneiro; Domingo no Maracanã, de Marcelo Moutinho, e Uma questão moral, de Cristovão Tezza. Envolventes. Sem falar que as histórias mexeram com minha memória futebolística e reacenderam lembranças queridas. Acho que estou começando a me animar.

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