Alegam os poetas que, ao adentrar alguma casa ou algum
jardim onde moramos quando jovens, reencontramos por um instante aquilo que já
fomos. São peregrinações muito arriscadas, que produzem em igual medida
sucessos e desilusões. Esses lugares fixos, contemporâneos de outros anos, é dentro
de nós mesmos que mais convém encontrá-los. – Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust.
É, esse tempo ainda
não chegou, mas agora, quando se comemoram os 100 anos da publicação do
primeiro volume da obra – No caminho de
Swann – aquele sentimento voltou a fazer cócegas. Afinal, este é um dos
mais importantes trabalhos literários do mundo, mas, ironicamente, o menos
lido. Acredito, totalmente compreensível, já que os sete volumes, juntos, correspondem
a cerca de quatro mil páginas na edição da Globo Livros.
Isso me faz lembrar
de um trecho de Bonsai, livro do
escritor chileno Alejandro Zambra, que segue abaixo:
A primeira mentira que Julio contou a Emilia foi que
tinha lido Marcel Proust. Não costumava mentir sobre suas leituras, mas naquela
segunda noite, quando os dois sabiam que alguma coisa estava começando entre
eles, e que essa coisa, durasse o quanto durasse, ia ser importante, naquela
noite Julio impostou a voz e fingiu intimidade e disse que sim, que tinha lido
Proust aos dezessete anos, num verão, em Quintero. Na época ninguém mais
passava o verão em Quintero, nem mesmo os pais de Julio, que tinham se
conhecido na praia de El Durazno, iam a Quintero, um balneário bonito mas agora
invadido pelo proletariado, onde Julio, aos dezessete anos, conseguiu a casa de
seus avós para se trancar e ler Em Busca do Tempo Perdido. Era mentira, claro:
ele tinha ido a Quintero naquele verão, e ele tinha lido muito, mas Jack
Kerouac, Heinrich Böll, Vladimir Nabokov, Truman Capote e Enrique Lihn, não
Marcel Proust.
...
Naquela mesma noite, Emília mentiu pela primeira vez
para Julio, e a mentira foi a mesma, que tinha lido Marcel Proust. No começo,
ela se limitou a concordar: Eu também li Proust. Mas logo houve um grande
silêncio, que não era um silêncio incômodo, mas expectativa, de maneira que
Emília precisou completar a história. Foi no ano passado, não faz muito tempo,
levei uns cinco meses, andava atarefada, você sabe, com os trabalhos da
faculdade. Mas me propus a ler os sete tomos e a verdade é que esses foram os
meses mais importantes da minha vida de leitora.
Mentir sobre
leituras é bastante comum para impressionar, ainda mais em se tratando de
clássicos como esse, que precisam de fôlego. A temática da obra, no entanto, é
fascinante: Em busca do tempo perdido fala
sobre memória. Ao perder a avó, o narrador vê suas lembranças ir sumindo lentamente
até nada restar. Outros assuntos abordados são a natureza da arte, a música, a
homossexualidade, a doença física e a crueldade.
Mesmo sem alardes e
comemorações para os cem anos do lançamento do primeiro volume, a Globo Livros
há pouco tempo reeditou a obra, que tem traduções de Mario Quintana, Manuel
Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Na corrida, a Companhia das Letras tem
planos de lançar os livros no ano que vem. Sem dúvida, estímulos a mais para
começar a ler Proust. Quem sabe...