segunda-feira, 15 de abril de 2013

Metáforas do cotidiano

O corre-corre da vida diária, muitas vezes, não nos permite parar, reparar, refletir e tecer comentários sobre os acontecimentos do cotidiano, por mais banais que eles possam parecer, em uma primeira vista. O destinar-se tempo para esses exercícios de observação não é muito comum e até passam despercebidos, mas, se feitos, provocam uma avalanche de sentimentos que julgávamos ser incapazes de descobrir e de vivenciar.
 
Quando há quase três anos cursei a pós-graduação em Jornalismo Literário essa percepção estava mais aguçada, afinal, as aulas eram permeadas da necessidade de se observar e sentir o mundo de forma que isso se refletisse nos textos jornalísticos que produzíamos. Terminado o curso, pouco a pouco essa leveza e sensibilidade foram perdendo a intensidade em mim, caí novamente na rotina, era inevitável... até que me deparei com Deslimites. Metáforas do Cotidiano, livro publicado pela Editora do Autor, assinado pela jornalista Juliana Damante, que foi minha companheira de turma no curso.
O livro traz, em sua maioria, textos extraídos do blog, de mesmo nome, que Juliana manteve de 2007 a 2012. A necessidade de perenizar a escrita, fez com que ela transportasse o que era virtual para as páginas impressas de um livro, como explica no início da publicação: “Resolvi entender que o mundo virtual nada mais é do que uma nuvem a ser apagada por um sopro erroneamente técnico. Decidi que as páginas de um livro têm muito mais sabor do que a tela de um computador. Falando em sentimento, prefiro o sentido das letras no papel, guardados na poeira da estante ou à beira da cama, talvez durante um caminho, quem sabe, uma saudade, levado em uma viagem. Dos sonhos, esse aqui é um”.
Os textos, repletos de observações e metáforas do cotidiano de Juliana, trazem embutidos um pouco da sua trajetória, do seu amadurecimento, da sua busca incessante pelo sentido da vida, mas sempre carregados da sensibilidade que lhe é nata. São belas e tocantes vivências, de coisas simples, do dia a dia, que conseguimos vislumbrar com perfeição como no texto “Pastel de Feira”:
Terça é Feira. Enquanto as frutas estão novas e com gotículas da água que o feirante jogou por cima, para que os vegetais fiquem com ar de frescos e convidativos, os senhores e senhoras arrastam os carrinhos, de feira. A criança corre atrás da pomba, gritando para que voe, voe logo, bem alto. Depois ri... O óleo dos pastéis está borbulhante e muitos escolhem-no para forrar o estômago de café da manhã.
Outros caminham, caminham, circulam, olham o morango vermelho por cima e verde por baixo, a manga cheirosa, o abacaxi já cortado em fatias suculentamente ácido, as maçãs tão perfeitas quanto à da Branca de Neve, o cheiro forte do peixe fresco já com as moscas a rondar, os queijos e laticínios naturais sem soda caústica, a banana amarela cheia de pintas no ponto, a melancia vermelha inteira por dentro e verde listrada por fora...
Em outros textos me vi inserida por ter compartilhado a experiência com Juliana durante as aulas da pós-graduação, como a da disciplina Pauta e Produção, do professor Edvaldo Pereira Lima, coaching do livro. A atividade se estendeu com uma visita ao Museu da Língua Portuguesa, onde deveríamos, em trio, escolher um personagem para acompanhar e, assim, desenvolver a técnica da “observação camuflada”, apenas observar, sem anotar nada. Depois, de volta à sala de aula, e utilizando a técnica da escrita rápida, deveríamos escrever o que tínhamos registrado mentalmente da visita do nosso personagem. Eu fazia parte do grupo da Juliana e escolhemos dois garotos para observar. Fiz apenas um texto informativo, sendo que das três foi ela quem chegou mais perto do âmago do exercício. Seu texto, reproduzido no livro, começava assim:
O garoto tem em média 12 anos, sabia? E levou outro amigo. O mais importante era que, pela segunda vez, ele estava ali. Pela segunda vez, ele repetia. Para mim, para nós e para os outros. A sensação do momento era apertar a tela em busca das palavras indígenas. Mas cansa. Criança cansa. Enjoa fácil de uma cena de repetição em série. Na verdade, o prazer de João Victor, com c, era falar para todos que o amigo dele estava ali pela primeira vez...”
Ler Deslimites. Metáforas do Cotidiano foi uma delícia, que fiz sem notar o tempo, reavivando em mim uma sensibilidade já adormecida para as questões simples da vida, do cotidiano, do nosso dia a dia. Muito bom!
*A capa do livro é de Lu Matosinho, com fotografia de Juliana Damante.

Pra quem desejar adquirir o livro acesse aqui https://www.clubedeautores.com.br/book/141294--Deslimites

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