quinta-feira, 28 de março de 2013

Pe. Vieira, o jesuíta


Tenho muitos livros para ler, tanto os que adquiro quanto aqueles que empresto das bibliotecas, passando por aqueles que os amigos sugerem e ainda os que são indicados pelos dois clubes de leitura dos quais participo.
 
Não é fácil administrar tudo isso, assim sigo uma lista pré-estabelecida, procurando mesclar os gêneros, os autores, as nacionalidades. Mas nada é muito rígido e, vez por outra, me pego invertendo a ordem, resgatando um livro que ficara lá embaixo e galgando-o a um posto mais alto, encaixando outro que acabei de conhecer, ou ainda lembrando daquele que há tempos pretendia ler, mas que por não ser tão urgente deixei para depois. Coisa de doido mesmo, ou melhor, de doida.
Tudo vai depender, é claro, do momento, da situação, da circunstância para ler este ou aquele livro. A escolha do novo Papa, Francisco, por exemplo, despertou em mim um interesse antigo. Por ele ser jesuíta, fato inédito na história do papado, fiquei absolutamente curiosa para saber mais sobre o assunto e a ordem. Resolvi a questão com rápidas pesquisas pela internet, até que me lembrei de um livrinho que estava guardado na minha caixa-estante há pelo menos três anos sem ser lido: Padre Antônio Vieira – o imperador da Língua Portuguesa, de Amélia Pinto Pais, publicado em 2010 pela Companhia das Letras.
 
Meu interesse a cerca do Padre Antônio Vieira não é de hoje, nem de três anos. Seus famosos Sermões são exemplos inspiradores e exercícios de escrita pela linguagem elaborada e ao mesmo tempo clara, portanto motivos mais do que suficientes para conhecê-lo e lê-lo. Além disso, ele foi jesuíta, missionário, perfeito para saciar meu mais recente – e reacendido – interesse. Não deu outra: fui lá, no fundo da caixa, e resgatei-o.
Dirigido sobretudo a jovens leitores, o livro é dividido em duas partes: na primeira, escrita na forma de autobiografia, como se o próprio Pe. Vieira escrevesse postumamente, narra os principais acontecimentos de sua vida. Nascido em Lisboa em 1608, Vieira passou uma parte da vida no Brasil, em Salvador (Bahia), retornou a Portugal, foi para Roma, voltou ao Brasil, de novo rumou para Portugal e por fim estabeleceu-se em Salvador até a morte, aos 89 anos. Foi amigo íntimo do Rei João IV, atuou como político, defendeu os negros e índios em seus sermões e viveu os terrores da Inquisição.
Na segunda parte do livro estão reunidos trechos de alguns de seus principais e mais famosos sermãos, além de citações extraídas de sua obra e excertos de sua correspondência. O livro traz também dois anexos: um texto explicando a estrutura de um sermão e outro falando sobre a Inquisição.
Notável orador, Pe. Vieira cuidou para que seus sermões ficassem para a posteridade, reunindo-os e publicando-os posteriormente. Entre estes destacam-se o Sermão de Santo Antônio aos Peixes e o Sermão da Sexagésima, este pregado em 1655 na Capela Real, em Lisboa, e que fala sobre o poder da arte de pregar sermões. Deste é notável o trecho em que fala do “estilo”:
Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, da outra há de estar negro; se de uma parte está dia, da outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da outra há de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, das outras hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver em um sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser o estilo da pregação, muito distinto e muito claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo; as estrelas são muito distintas e muito claras e altíssimas. O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem.
Em tempo: a autora, Amélia Pinto Pais, nasceu em 1943, em Portugal. Foi professora de francês e português por mais de 30 anos e escreveu ainda ensaios sobre Camões, Fernando Pessoa e Gil Vicente, além de uma história da literatura em Portugal. Faleceu em 2012, aos 69 anos.

Um comentário:

  1. Não sei se sabe, mas depois de ter lido "O Sermão de Santo Antônio aos Peixes", o padre António Viera embarcou logo para Portugal, temia pela sua segurança.
    Existe coisas que parecem que sempre foram iguais, muitas vezes quando se diz a verdade sofresse represálias.

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