segunda-feira, 21 de maio de 2012

Guerra e Paz de Portinari

Tarde de domingo, 20 de maio – Último dia para ver a exposição Guerra e Paz, do artista brasileiro Cândido Portinari. Em frente ao Salão de Atos Tiradentes, no Memorial da América Latina, em São Paulo, uma fila imensa dava volta por toda a extensão da Praça Cívica.

Eu já tinha visto a exposição, mas acabei indo novamente para acompanhar minha irmã e meu sobrinho e, nem mesmo as duas longas em que fiquei na fila esmoreceu minha vontade de ver novamente os dois belíssimos painéis de Portinari.
Guerra e Paz foram os últimos e maiores murais criados pelo artista na década de 1950, especialmente para a sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York. Os painéis puderam ser expostos depois de minucioso trabalho de restauro que aconteceu entre fevereiro e maio de 2011.
Além dos belíssimos murais, foram expostos, também, estudos do pintor para a obra, vídeos, linha do tempo com imagens em movimento contando a trajetória do pintor, desde sua infância em Brodowski (SP), visitas guiadas e oficinas.
Mas o ápice da mostra, sem dúvida, eram os dois painéis que, além de impactarem pela dimensão (14x10m) e beleza nas cores e nos detalhes, contou também com um vídeo que ressaltou cada elemento contido nos painéis. As imagens eram mostradas tendo ao fundo dois extraordinários poemas: o primeiro, A mão, de Carlos Drummond de Andrade, escrito em 1962, logo após a morte de Portinari; o segundo Guerra e Paz, de Fernando Brant, compositor mineiro, sobre os painéis.
Vale a pena transcrevê-los:

A MÃO
(Carlos Drummond de Andrade)

"Entre o cafezal e o sonho
a mão está sempre compondo
O garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
E nada mais resiste à mão pintora.

A mão cresce e pinta o que não é para ser pintado mas sofrido.

A mão está sempre compondo
módul-murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-quer no baú dos vencidos.

A mão cresce mais e faz
do mundo como-se-repete o mundo que telequeremos.

A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.

Tudo tem explicação por que tudo tem (nova) cor.

Tudo existe por que foi pintado à feição de laranja mágica,
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento domicílio do homem.

Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide;
todos os meninos, ainda os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.

Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.

O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.

E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari."

 A GUERRA E A PAZ DE PORTINARI

(Fernando Brant)

"A guerra é uma cavalgada

cruzando o azul da paisagem
cortejo de fome e de morte
ferindo o coração dos homens

A mulher velando o filho morto
a mulher e a criança chorando
a mãe e a filha em desespero
de cabeças rolando na grama

A guerra são os quatro cavalos
regendo a sinfonia de dores
são os braços erguidos em prece
pedindo o final dos horrores

 A paz é um coro de meninos
é a voz eterna da infância
as mulheres dançando na roça
os meninos pulando carniça

É a noiva de branco sorrindo
na garupa de um cavalo branco
a mulher carrega um carneiro
crianças no espaço balançam

A paz está nos meninos
que brincam nos campos da infância
nos homens, nas mulheres cantando
a harmonia, a esperança." 

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