segunda-feira, 9 de maio de 2011

Memórias machadianas

A notícia não é nova, mas é recente, e seu teor só vem confirmar aquilo que os brasileiros já sabem sobre a qualidade da obra literária de Machado de Assis, um dos maiores escritores nacionais: Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma leitura envolvente e atual, embora tenha sido publicada originalmente em 1880.

A descoberta é do cineasta americano Woody Allen, que listou o livro de Machado entre seus favoritos, ao lado de escritores como J. D. Salinger, autor de O Apanhador no Campo de Centeio. A revelação foi feita em entrevista ao jornal britânico The Guardian, com bastantes elogios: “Fiquei chocado ao ver como é encantador. Não conseguia acreditar que ele viveu há tanto tempo, como ele viveu. Você pensaria que foi escrito ontem”, afirmou Allen.

Memórias Póstumas de Brás Cubas é realmente uma obra primorosa. Li há um bom tempo e confesso que a história ainda vive rondando pela minha cabeça. Trata-se de uma narrativa fantástica, feita em primeira pessoa por um defundo-autor. O narrador é Brás Cubas, personagem que já está morto quando o romance se inicia e que vai recontando a própria vida do fim para o começo.

A ironia é um traço marcante na obra de Machado de Assis e não poderia ficar de fora da vida de Brás Cubas. A princípio, ele aparece como um ser elevado, forte, poderoso, mas ao final fica claro ser exatamente o contrário: frágil e sujeito às intempéries da vida.

Com escrita marcante, Memórias Póstumas encanta todo leitor que por ela se aventurar. A linguagem é primorosa, os diálogos saborosos, as descrições na medida certa, enfim, um texto delicioso de ler.

Não é à toa que fascina inúmeros leitores, como é o caso, também, do escritor argentino-canadense Alberto Manguel, que o incluiu em sua obra Os livros e os dias, uma espécie de diário pessoal e ensaio crítico. Para escrevê-lo, Manguel escolheu para reler durante um ano, todo mês, um romance, totalizando 12. E, depois registrou as impressões em seu diário. Ao lado de Machado, figuram obras de Bioy Casares, Conan Doyle, Cervantes, Goethe e Margareth Atewood, entre outros.

No capítulo em que aborda Memórias Póstumas de Brás Cubas, Manguel confessa ter uma afeição grande pelo livro, surpreendendo-se sempre ao constatar que poucos de seus amigos as leram:


"... Presumimos que o que nos dá prazer deve dar prazer aos outros: na verdade, todos acabamos nos dando conta de que nosso círculo particular de companheiros de leitura, daqueles que compartilham nossos amores íntimos, é muito pequeno (Onze amigos comparecem ao enterro de Brás Cubas quando ele começa a contar a história de sua triste vida – apenas onze.)”

E completa a seguir:

“Conto em minhas estantes com cinco edição de Brás Cubas (três em traduções) e vários estudos biográficos. Considerando a popularidade de Sterne, de Punchon (imerecida, a meu ver – não tenho paciência com ele), de Cortázar, acho difícil entender por que Machado de Assis se mantém (fora do Brasil, claro) como um escritor secreto. Não há ninguém propriamente como ele; todos os três autores que mencionei compartilham com Machado de Assis uma preocupação com o modo como a ficção deve lidar com uma realidade fraturada, peneirada pelo tempo, mas ele é o único a contar uma história que se permite mostrar ao leitor desconjuntada, por assim dizer, como um jogo Meccano, de tal maneira que caiba a nós, no final das contas, reunir as partes, construindo, enquanto lemos, uma narrativa que, embora inteiramente inteligível, não segue nenhum padrão preestabelecido visível.”

Considerado, de fato, como o maior nome da literatura nacional, Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839, no Rio de Janeiro, de uma família humilde: o pai exercia os ofícios de pintor e dourador, e a mãe era lavadeira. Dedicado às letras, escreveu em praticamente todos os gêneros literários – poesia, crônica, dramaturgia, conto, folhetim, jornal e crítica literária.

Sua extensa obra compreende nove romances e peças teatrais, 200 contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de 600 crônicas.

Das obras publicadas do autor, li também Dom Casmurro, Quincas Borba, Memorial de Aires e Helena, todos romances. Ainda não me aventurei por outros gêneros de sua obra, mas já recomendaram – e muito – os contos, que são impagáveis. Daqueles que li, porém, Memórias Póstumas de Brás Cubas – e seu realismo fantástico - tem lugar cativo na minha memória e no meu coração. É o meu preferido. Não dava pra ser diferente.

Um comentário:

  1. Oi Cecilia, alguém na blogosfera para falar de Machado! Parabénssss
    Sabe, não vou dizer que sou fã deste escritor, tudo que eu disser sobre ele é muito pouco. Sabe, eu já li todos os romance e a maioria dos contos, peças e poemas,pode acreditar.
    E como você, nunca vou esquecer Memórias Póstumas, o li várias vezes: Não tive filhos, não transmitirei a nenhuma criatura o legado de minha miséria". Existe frase mais linda!Mas, só lendo este livro e ainda Memorial de Aires, para conhecer quem era Machado de Assis e entender esta frase.
    Era, realmente, um bruxo este velho solitário.
    Valeu o post, adorei.
    Beijos

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